Ora, os clássicos…

Por Gustavo Araujo

Se a virtude está no meio, então, é possível dosar a narrativa com descrições suficientes, nunca exageradas, com certa dose de introspecção, além de emprestar profundidade psicológica mínima para que os personagens não soem esquemáticos.

 

É comum a ideia de que todo escritor deve, antes de tudo, ser um insaciável leitor. Este é o estágio necessário, imprescindível, para que se atinja um mínimo de maturidade na escrita. Nos desafios literários do Entre Contos é possível vislumbrar as influências de best sellers recentes, especialmente da chamada literatura para jovens adultos, conhecida pela sigla YA, na maneira com que os participantes se expressam.

Inspirados por autores modernos, especialmente estrangeiros, os escritores mais novos torcem o nariz para textos considerados tradicionais, mais lentos e introspectivos, preferindo narrativas dinâmicas, sem muitas descrições, e que vão direto ao ponto.

Naturalmente, há um choque.

Autores mais afetos à escola tradicional criticam a cultura enlatada, consumida com avidez instantânea, que, alegam, caracteriza os romances mais vendidos atualmente. A fim de embasar seus argumentos, apontam com certo desdém que falta às novas gerações contato com as obras clássicas. Citam, como exemplos, por vezes com uma intimidade fingida, obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa, José de Alencar, Manuel Bandeira e toda a trupe presente nas aulas de Literatura da época do “científico” ou do “segundo grau”. Para os defensores dessa corrente, escritor algum poderia ostentar tal epíteto se não fosse capaz de citar, de coração, trechos de “Macunaíma” ou de “Memórias no Cárcere”.

Os autores modernos se defendem, afirmando com orgulho que jamais leram os clássicos e que não têm a mínima intenção de fazê-lo. Apontam que os clássicos são aborrecidos e que, não fosse a obrigação de conhecê-los na escola, ninguém se importaria com eles.

Como Aristóteles (ou seria Confúcio?), penso que a virtude está no meio.

Não acho que ler os clássicos seja condição indispensável para que alguém seja um bom escritor. Claro, é bom, é aconselhável, mas não se trata de pressuposto inarredável.

Muitas vezes, a meu ver, a argumentação da escola tradicionalista soa como despeito. Os autores que atualmente mais vendem não mereceriam tal sorte porque têm trapaceado, relegando os clássicos às prateleiras poeirentas de museus que ninguém visita.

Não concordo. Os autores que mais vendem têm seus méritos – entre os quais o de entender a linguagem falada atualmente, em todos os sentidos da expressão, quer para o bem, quer para o mal.

Não se pode considerar alguém “menos preparado” porque não leu medalhões. Chego a duvidar, em alguns casos, que os defensores dessa tese realmente leram os livros que indicam, preferindo brandir um meme com uma citação de Clarice Lispector.

Também acho, do fundo do meu coração, que certos “livros indispensáveis” são extremamente tediosos. Diante da linguagem que temos hoje, da velocidade com que gira o mundo, com que muda a cultura, com que se expressa a linguagem, os parágrafos intermináveis de “Sagarana” ou “Grande Sertão: Veredas” são tudo menos empolgantes.

Mas não podemos generalizar. Há livros clássicos muito bons, como “Dom Casmurro” e “O Tempo e o Vento”, que certamente influenciariam de maneira muito positiva os novos autores. Aí, há que se apontar a preguiça da nova geração em travar contato como que se escreveu há mais de um século, o que, no fim, revela-se um pecado imperdoável.

Para mim, o bom escritor terá mais chances de sucesso se souber reconhecer as obras – quer clássicas, quer modernas – que lhe permitam construir seu próprio estilo. E, muito importante, deve reconhecer que a fórmula encontrada diz respeito apenas a si mesmo, evitando conselhos fáceis e, por vezes, arrogantes.

Se a virtude está no meio, então, é possível dosar a narrativa com descrições suficientes, nunca exageradas, com certa dose de introspecção, além de emprestar profundidade psicológica mínima para que os personagens não soem esquemáticos. Com tal construção é possível, aí sim, atirar-se à aceleração e ao dinamismo. Um sem o outro, pelo menos atualmente, torna qualquer história aleijada.

Enfim, penso que o autor de hoje deve procurar conjugar os estilos, evitando a armadilha fácil de se aferrar a um deles e desmoralizar o outro, como tantos fazem.

Se posso fazer uma sugestão, peço que digam não aos reacionários da literatura. Abandonem a escola única e deixem-se contaminar pelo que ambas têm de melhor. No fim, misture a si mesmo nessa ideia. Talvez dê certo.

Gustavo Araujo mora em Brasília-DF, com a esposa e as duas filhas. Administra o site Entre Contos. Participa com dois contos na Antologia “!”  e também é autor do livro “O Artilheiro”, publicado em 2013. Seu livro “Pretérito Imperfeito” será publicado pela Caligo em 2015.

Uma crítica sobre a crítica

Por Thais Lemes Pereira

O segredo está nas mãos do autor. Ao receber a crítica de sua obra – ou analisar a opinião de alguém sobre o livro de outro escritor – é crucial conhecer a pessoa que a emitiu, se quiser levá-la em consideração.

 

O texto está pronto. Seja o romance, o conto ou o artigo. Um dos próximos passos dado por escritores – iniciantes ou não – é submetê-lo à análise crítica de escritores e leitores; muitas vezes de amigos. Um passo importante quando se trata de identificar erros gramaticais e possíveis furos na história. O autor, tão envolvido e compenetrado com a obra, muitas vezes não consegue enxergá-los após dedicar certo tempo àquela escrita. Opiniões são bem-vindas, mas exprimir um “conceito pessoal” (preconceito) a respeito da obra de alguém é positivo ou negativo?

Na verdade, a pessoa que irá emitir essa opinião não tem muito que fazer. Expressar um conceito, hoje em dia, é algo difícil e livrar-nos dos nossos gostos, na hora de apontar, algo mais difícil ainda. Seria maravilhoso se cada leitor beta tivesse a capacidade de olhar para uma obra deixando de lado suas crenças e emitindo a real sintonia que teve com a obra. Audácia que muitos diriam não resultar em nada, pois o objetivo dessas leituras é distinguir o que determinado público achará da história e da forma como foi contada. Porém, muitas vezes, submetemos nossos textos à análise de pessoas que não se distinguem culturalmente uma das outras. Conseguimos, assim, catar as pedras do feijão, mas poucos são capazes de colocá-lo para cozinhar.

O segredo está nas mãos do autor. Ao receber a crítica de sua obra – ou analisar a opinião de alguém sobre o livro de outro escritor – é crucial conhecer a pessoa que a emitiu, se quiser levá-la em consideração. É importante que o receptor conheça quais os parâmetros que levaram o leitor a fazer determinado comentário. Perguntando se foram formulados a partir de conceitos ou de crenças, pois a última é mutável. Posso, nesse segundo, emitir a opinião sobre determinado texto e, ao lê-lo novamente, adquirir uma visão completamente diferente.

Tema que não vale apenas para escritores, mas para leitores que se deixam induzir pelo julgamento traçado de outra pessoa, sem levantar questionamentos. Sem pensar o quanto somos diferentes em nossos gostos, mesmo que sejam parecidos. Definimos, com a ajuda de críticos (que podem ser qualquer pessoa que emite opinião sobre determinado texto e não apenas o profissional), o que é uma obra boa e outra ruim e a resignação resulta na falta da liberdade de escolha.

Apesar disso, é uma etapa que não deve ser ignorada. O confronto das ideias é o processo válido, que trará o resultado desejado. Aceitar a opinião de alguém, sem confrontá-la com a sua ou, melhor ainda, de outras pessoas, não surte efeito no que diz respeito ao crescimento pessoal como escritor: no crescimento da sua obra. No que diz respeito ao conforto, quando apreciam o que escrevemos sem traçar pontos a serem melhorados, muitas vezes, devemos nos fazer as mesmas perguntas.

Então, será que não posso aceitar nada de bom grado? Em minha opinião “pessoal”, não! Uma crítica será bem aproveitada quando analisada, mesmo que já seja fruto de uma análise. É o ato de saborear o que o leitor pensa sobre seu texto, sem apenas ingerir.

Critiquem minha crítica sobre a crítica e todas as demais que encontrarem pela frente, caso cheguem a conclusão de que é viável.

-***-

thata-pereira

Thais Lemes Pereira nasceu em Guarulhos- SP, mas mora atualmente em Cambuquira- MG. Estudante de Jornalismo, desistiu do sonho de cursar Arquitetura para dedicar-se ao que realmente gostava: escrever. É autora do livro de poesias Pensamentos de Outrora (Editora Multifoco), lançado em outubro de 2013.

Contato: thaislemespereira@yahoo.com.br.

Entrevista: Gustavo Araujo

Por Thais Lemes Pereira

Em 2015, a Caligo Editora publicará o livro “Pretérito Imperfeito”, do escritor Gustavo Araujo. Além de escrever, Gustavo é organizador do site Entre Contos, que promove Desafios Literários. Formado em Direito, pai de família, um pouco de tudo pode ser conferido na entrevista que ele me concedeu durante a semana: o que o motiva a escrever, suas inspirações e, principalmente, o que devemos esperar do tão aguardado “Pretérito Imperfeito”.

 

– De onde surgiu a inspiração para o livro Pretérito Imperfeito?
Em 2009 eu passei pela experiência mais dramática que um homem pode experimentar. Fui pai pela primeira vez. Em pouco tempo a rotina da casa se transformou, com todas as atenções voltadas para a nossa bebezinha, chamada Sofia.
Como todos os pais de primeira viagem, desde o início tentamos influenciar positivamente nossa pequenina com o que os estudiosos consideravam positivo: música clássica, principalmente Mozart, e vídeos do Baby Einstein. Funcionou por um tempo, mas assim que a Sofia cresceu, nosso poder de decisão foi diminuindo. Como resultado, em pouco tempo éramos bombardeados com Patati Patatá e Galinha Pintadinha.
Certa manhã, assistíamos pela enésima vez à “Galinha Pintadinha 2”. Para quem não sabe, são músicas infantis populares ilustradas com desenhos animados. Quem tem filhos sabe que a criançada adora. Pois bem, uma das canções da coletânea é a famosa “Se essa rua fosse minha”, cuja animação é especialmente caprichada.
Não sei se eu estava especialmente sensível na ocasião, mas de alguma maneira, a música me capturou. Quando dei por mim, estava imerso na melodia e na letra, completamente tomado pela melancolia e pela nostalgia que permeiam os versos.
A menina que se apaixona por um anjo que vive num bosque. Um amor impossível.
Inspirado, escrevi um conto chamado “A Menina na Floresta” e publiquei na comunidade “Contos Fantásticos”, do antigo Orkut. A repercussão foi bastante positiva, o que terminou por plantar na minha cabeça a ideia de um dia desenvolvê-la na forma de um romance.

 

– Para aqueles que ainda não conhecem, qual a história do livro?
Levei um bom tempo para começar a transformar “A Menina na Floresta” em um romance. Acho que de certo modo eu tinha receio dessa transformação. Não dava simplesmente para manter a mesma linha narrativa e encher linguiça. Além do mais, todo mundo que escreve sabe que o autor jamais é dono da história. À medida que escrevemos, a narrativa ganha autonomia, conduz a trama a situações que nem sequer imaginávamos. Isso sem falar na rebeldia dos personagens, que praticamente exigem mudanças naquilo que se havia planejado.
Bom, de todo modo, um dia, eu resolvi me sentar e escrever. Em poucas horas tinha a espinha dorsal montada e, apesar da origem “Pretérito Imperfeito” terminou bastante diferente de “A Menina…”
Sim, a linha argumentativa principal permaneceu a mesma: um menino e uma menina que inadvertidamente se encontram em um bosque e que acabam se apaixonando. No entanto, por se tratar de uma história maior, um romance, outros elementos foram inseridos, de modo a tornar a narrativa toda mais rica e os personagens mais profundos.
Pois bem, a história se passa, na maior parte do tempo, na cidade fictícia de Porto Esperança, no interior do Paraná, ainda que haja “locações” em Passo Fundo e em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, além do Rio de Janeiro.
A trama toda, na verdade, se divide em três.
A primeira trata de Toninho.  É um menino de treze anos com uma dificuldade enorme para ler em público, o que lhe traz problemas na escola, e que também vive uma relação complicada com o próprio pai. Por conta disso, prefere se isolar. Passa os dias estudando passarinhos usando um velho manual de aves que ganhou de presente da mãe, já falecida, e refugiando-se em uma clareira do bosque que circunda a cidade.
Paralelamente, conhecemos a menina Cecília, não por meio de um narrador onisciente, mas por intermédio de cartas, trechos de seu diário endereçados a alguém chamada Carol. Cecília é muito inteligente e questionadora. Adora ler e escrever. Porém, vê-se em uma situação difícil, impedida de sair de casa devido às atividades misteriosas em que seu pai está envolvido.
Um terceiro foco narrativo aborda a vida do pai de Toninho. Espalhada em capítulos alternados, a história de Pedro Vieira é narrada desde sua infância árdua num sítio no Rio Grande do Sul até os anos que antecedem a velhice, já em Porto Esperança. Pedro é dono de um passado perturbador, tendo trabalhado como agente da polícia secreta de Filinto Müller nos anos 30, uma fase da vida que ele gostaria de esquecer.
Naturalmente essas três realidades – de Toninho, de Cecília e de Pedro Vieira – se entrelaçam no tempo e no espaço, trazendo à tona questões pessoais, arrependimentos, erros, sacrifícios e redenção.
Gosto, entretanto, de dizer que o livro trata de amor. Amor que é descoberto pela primeira vez, amor entre pais e filhos, amor por literatura, amor pela escrita, amor por quem já se foi. Pode parecer piegas, mas creio que o tema, longe de ter se esgotado, ainda permite abordagens fora do contexto usual.

 

 – As mulheres, em suas histórias, são sempre muito marcantes. Nomes fortes, personalidades definidas. Porém, seu novo livro conta com dois personagens importantes na história: Toninho e seu pai. Foi difícil desenvolvê-los?
Na verdade, essa personalidade forte que tento emprestar às mulheres nas histórias que escrevo é algo mais recente. No início, meus contos gravitavam o universo adolescente masculino, influência de meus próprios dias de menino. A leitura de autores como Niccolò Ammaniti, Carlos Ruiz Zafón, Khaled Hosseini e John Boyne só reforçaram essa tendência, de modo que escrever sobre Toninho foi algo quase natural.
Já com o pai, Pedro Vieira, o processo de criação foi bem diferente. Para ser franco, na primeira versão do “Pretérito…”, ele era pouco mais que um figurante, alguém cujas características eram referidas apenas de modo indireto. A intenção, na época, foi cobri-lo com uma aura de mistério. Porém, como eu disse antes, a trama às vezes se rebela contra o criador, criando vida própria, com personagens demandando mudanças. Foi o que aconteceu. Ao reler a primeira versão tive a sensação de que faltava algo, que talvez devesse desenvolver mais o pai de Toninho. Discuti a questão com alguns amigos e a sugestão foi que eu desse vazão a essa necessidade.
Escrevi, então, a história de Pedro Vieira. Hoje não consigo conceber o “Pretérito…” sem ele, sem a riqueza de detalhes que permeia sua existência. Embora o foco principal da narrativa continue com Toninho e Cecília, é Pedro quem captura a atenção do leitor ávido por questões filosóficas, com seus inúmeros defeitos, com sua transformação de menino ingênuo em alguém a um passo da monstruosidade.
Para dar-lhe profundidade, busquei inspiração em obras como “O Continente”, de Érico Veríssimo, “Camaradas”, de William Waack, e principalmente em “Olga”, de Fernando Morais. Arrisco a dizer que Pedro é, em maior ou menor grau, alguém que conhecemos, de repente nós mesmos, com nossos pecados, com nossos arrependimentos e com nossa eterna busca por redenção.

 

– É possível perceber, em seus textos, a influência de autores e livros que você encontra afinidade, chegando a comentar isso algumas vezes. Isso ocorre de forma consciente?
Totalmente. Não há autor que consiga se desvencilhar daqueles que admira. Se gostamos de determinada obra ou estilo, inevitavelmente acabaremos por aproveitá-lo. Foi a isso que me referi na resposta da pergunta anterior, sobre os autores que escrevem a respeito do universo adolescente.

 

– E o quanto sua vida está presente na escrita?
Eu diria que 90%. Lugares, pessoas, fatos. Nossa escrita, por mais que resulte em um universo imaginário, reflete nossas próprias experiências. Pelo menos é o que eu acho. Na minha concepção, é isso que torna a história verossímil: falar do que se conhece, especialmente se há dramas pessoais e relações humanas. Obviamente, é dado ao autor ousar – e é até recomendável que o faça – mas se não souber, ou se não pesquisar profundamente sobre o desconhecido, o resultado pode ser ruim. Não há nada pior do que uma narrativa desprovida de credibilidade.

 

– Além de escrever, você mantém o Site Entre Contos, que promove Desafios Literários. As discussões, em torno dos contos que são publicados, colaboraram de alguma forma na construção do seu livro?
Sim, colaboram muito. O Entre Contos é uma experiência que tem se revelado fantástica na medida em que permite a troca de experiências, o aprofundamento de questões técnicas e de mérito e, o mais importante, a lapidação do estilo do autor.
Naturalmente, todo escritor quer ser lido. Chego a pensar que isso vale mais do que dinheiro para quem escreve, afinal, ninguém que tem na escrita o ofício preferido tem a ilusão de se tornar milionário.
O Entre Contos deu certo por causa disso. É um dos poucos lugares em que escritores de todos os níveis têm seus textos examinados, não só sob o aspecto técnico, mas principalmente sob a ótica emocional, sob o impacto que causam.
No que diz respeito a mim, aproveitei, em mais de uma ocasião, para criar contos que de algum modo apresentassem fatos parecidos como aqueles presentes no “Pretérito…”, até para aferir a receptividade do leitor. Quase todos os contos que escrevi para os desafios do EC guardam alguma semelhança com trechos do “Pretérito…”, especialmente as questões filosóficas e as relações interpessoais. “Reconstruindo Sarah Parker”, “Radiação” e “Tábula Rasa” são alguns exemplos.

 

– Houve altos e baixos durante o processo de criação do livro? Alguma hora você pensou em parar de escrevê-lo? O que te motiva?
Escrever um romance é algo que, para mim, demanda muita dedicação. Não pude mergulhar de cabeça no processo de criação do “Pretérito…”, ainda que tivesse bem definida a linha a seguir, porque sua elaboração se deu durante a gravidez e o nascimento de minha segunda filha, a Alice, a quem, aliás, o livro é dedicado.
Evidentemente, custei para terminar o romance. Levei cerca de três anos para completá-lo, desde a concepção original até a versão final, remetida para a Caligo. Apesar desse tempo todo, não posso dizer que houve altos e baixos. Houve, sim, épocas em que eu me permiti dedicar mais tempo ao livro. Mas a ideia, os fatos, a trama, tudo esteve sempre na minha cabeça, embora eu tenha demorado um tanto para colocar tudo no papel.

 

 – O que o leitor deve esperar de Pretérito Imperfeito?
Sinceramente, não pretendi criar uma história redondinha, com questões edificantes ou lições moralmente consagradas. Nada disso. O “Pretérito…” é orgulhosa, ostensiva e propositalmente imperfeito. Minha intenção foi simples: criar uma narrativa que despertasse no leitor curiosidade suficiente para virar a página, para prosseguir, para se envolver na trama.
Em algum ou em outro momento, o leitor haverá de se identificar com os personagens e com as situações, indagando a si mesmo o que faria, qual seria sua própria reação, criando ao mesmo tempo angústia e enlevo.
Foi essa, em suma, a intenção: jogar com as emoções, não deixar o leitor indiferente.

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thata-pereira

Thais Lemes Pereira nasceu em Guarulhos- SP, mas mora atualmente em Cambuquira- MG. Estudante de Jornalismo, desistiu do sonho de cursar Arquitetura para dedicar-se ao que realmente gostava: escrever. É autora do livro de poesias Pensamentos de Outrora (Editora Multifoco), lançado em outubro de 2013. Atualmente escreve o romance “Homicídios Manchados de Rosa”.

Contato: thaislemespereira@yahoo.com.br.

Sobre a coluna semanal

Olá, tudo bem? Você já deve ter percebido que na semana anterior não postamos a coluna na quinta-feira, assim como não o fizemos ontem, segunda. Por isso avisamos que, em virtude da correria toda dos lançamentos, do dia 30-08 e do próximo, dia 19-09, ficaremos algumas semanas sem postagem certa. Pode ser que venhamos a postar algum texto enviado por algum de nossos colaboradores, como faremos na próxima quinta-feira, mas isso acontecerá apenas se o texto for enviado para nós. Avisamos também que voltaremos com a frequência normal a partir de outubro, quando uma nova etapa se inicia para a Caligo (depois contamos o que é!). Se houver interesse em participar da coluna, basta enviar seu texto para caligo@caligoeditora.com.br.

Gratos,

Caligo Editora

Mapas, cartas, diários e outras antiguidades

Por José Geraldo Gouvêa

O desa­pa­re­ci­mento da carta foi tão grande que se você fizer seus per­so­na­gens tro­ca­rem car­tas os lei­to­res jovens pro­va­vel­mente enten­de­rão o con­texto mais ou menos como a ilu­mi­na­ção de per­ga­mi­nhos na Idade Média. Para os ado­les­cen­tes de hoje, não há muita dife­rença entre uma carta e um per­ga­mi­nho de fei­ti­ços.

 

Ocorreu-​​me ontem, ao ler mais uma sinopse de romance, o quanto nós ainda esta­mos pre­sos ao pas­sado de for­mas que não per­ce­be­mos. Os índios do Xingu tem um con­ceito que expressa bem isso. Segundo nar­rou Orlando Villas-​​Boas, quando ele e outros ser­ta­nis­tas acom­pa­nha­vam os índios em cami­nha­das pela flo­resta, se os bran­cos for­ça­vam muito o ritmo, os índios pediam para fazer uma parada. Depois de ver isso ocor­rer várias vezes, perguntaram-​​lhes por que e os índios dis­se­ram que os bran­cos que­riam andar muito depressa, mas era pre­ciso parar quando em vez, para dar tempo às suas almas para alcan­ça­rem os seus cor­pos. Sim, parece-​​me que o mundo evo­lui tão depressa que dei­xa­mos nos­sas almas per­di­das lá atrás. Isso tal­vez expli­que por­que, mesmo no mundo louco e tec­no­ló­gico em que já vive­mos ainda este­ja­mos pen­sando segundo mode­los men­tais de um pas­sado recente.

Um bom exem­plo são os diá­rios. Mui­tos auto­res ainda fazem seus per­so­na­gens escrevê-​​los, mas nada é tão ana­crô­nico. Quem em sã cons­ci­ên­cia ainda abre um caderno para escre­ver « que­rido diá­rio » no alto de uma folha? Só cri­an­ças, mas elas ainda o fazem por­que o con­ceito ainda está na tele­vi­são e na lite­ra­tura infantil.

O diá­rio sur­giu com os alqui­mis­tas, que toma­vam notas diá­rias de suas expe­ri­ên­cias para acom­pa­nhar o seu desen­vol­vi­mento. Os nave­ga­do­res tam­bém tinham o seu tipo de diá­rio, que cos­tu­mava incluir as coor­de­na­das geo­grá­fi­cas em que cada entrada era escrita. Ambos tinham uma obses­são com a con­ta­gem do tempo, embora por moti­vos dife­ren­tes. O diá­rio pes­soal surge mais tarde, na Europa, por influên­cia do diá­rio de nave­ga­ção. As famí­lias de mari­nhei­ros, ou os pró­prios mari­nhei­ros apo­sen­ta­dos ou em folga, ou o hábito des­tes de regis­tra­rem em forma de diá­rio suas vicis­si­tu­des. Porém, dife­rente dos outros, o diá­rio pes­soal tinha uma forma mais livre. Afi­nal, as coor­de­na­das geo­grá­fi­cas não mudam muito quando você está cur­tindo a apo­sen­ta­do­ria sen­tado em uma cadeira de balanço.

Com o tempo o diá­rio se tor­nou « coisa de meni­ni­nha » ou de dona de casa ente­di­ada que, sem ter com quem con­ver­sar, enchia cader­nos escre­vendo « que­rido diá­rio ». Foi essa a ima­gem de diá­rio que mais se per­pe­tuou. O diá­rio de bordo pra­ti­ca­mente já não tem uso, por­que os navios são acom­pa­nha­dos em tempo real atra­vés de GPS e radi­o­co­mu­ni­ca­ção. O diá­rio cien­tí­fico ainda é usado, embora já não seja pare­cido com o que se fazia no pas­sado, e hoje se chama « relatório ».

O diá­rio pes­soal é um ana­cro­nismo por­que já não exis­tem as razões pelas quais era escrito. As donas de casa ente­di­a­das quase já não exis­tem, e os diá­rios foram subs­ti­tuí­dos por blogs e redes soci­ais. Por­tanto, é extre­ma­mente impro­vá­vel que seu per­so­na­gem escreva um diá­rio, a menos que ele seja um per­so­na­gem de época, ou um per­so­na­gem meio ridículo.

Por sua vez, o hábito de escre­ver car­tas já desa­pa­re­ceu, e desa­pa­re­ceu tão rápido que mal o vimos desfazer-​​se no ar. Em 1997 a carta ainda era o prin­ci­pal meio de comu­ni­ca­ção. Quando criei a revista lite­rá­ria « Trem Azul », em par­ce­ria com o Emer­son « Toqui­nho » Tei­xeira Car­doso, reu­ni­mos um fichá­rio com os ende­re­ços de mais de 500 escri­to­res do Bra­sil e do mundo. Quando vol­tei de minha ina­ti­vi­dade lite­rá­ria, em 2005, subi­ta­mente aquilo não tinha mais nenhum valor.

As car­tas per­de­ram o sen­tido com a inven­ção do e-​​mail e a popu­la­ri­za­ção de tele­fo­nes celu­la­res. Da segunda vez que fiz uma revista lite­rá­ria, toda a comu­ni­ca­ção foi feita por cor­reio ele­trô­nico. Uma situ­a­ção como a do filme « Cen­tral do Bra­sil », em que pes­soas anal­fa­be­tas paga­vam a uma outra para que escre­vesse car­tas para a famí­lia dis­tante, nos parece mais ali­e­ní­gena do que uma civi­li­za­ção mar­ci­ana. Aquele filme tal­vez não tenha ganhado o Oscar por­que nos EUA a revo­lu­ção do e-​​mail já acon­te­cia, enquanto nós ainda está­va­mos pre­sos no século XIX. Hoje um filme como aquele não seria feito, não só por­que o assunto já não existe, mas por­que o público de hoje já teria difi­cul­da­des para enten­der: o anal­fa­be­tismo pra­ti­ca­mente desa­pa­re­ceu e quase nin­guém escreve cartas.

A ideia de espe­rar sema­nas pela res­posta parece exas­pe­rante aos jovens de hoje, e eles tem razão: car­tas eram uma merda para fins de comu­ni­ca­ção, e sua única van­ta­gem era a pos­si­bi­li­dade de serem cole­ci­o­na­das e pos­te­ri­or­mente publi­ca­das. Uma das per­das do futuro será não ter­mos mais a « cor­res­pon­dên­cia » dos escri­to­res edi­tada. Será uma perda grande. E-​​mails e redes soci­ais são pre­cá­rios e pro­va­vel­mente se per­de­rão no buraco da memó­ria. Se eu ama­nhã ou depois me tor­nar uma lenda da lite­ra­tura, os filó­lo­gos e crí­ti­cos do futuro não terão como desen­ca­var minha cor­res­pon­dên­cia com meus pares: ela não exis­tirá, embora eu tenha sido muito atu­ante nas redes soci­ais (Orkut, Forms­pring, Face­book, Plus e VK.com).

O desa­pa­re­ci­mento da carta foi tão grande que se você fizer seus per­so­na­gens tro­ca­rem car­tas os lei­to­res jovens pro­va­vel­mente enten­de­rão o con­texto mais ou menos como a ilu­mi­na­ção de per­ga­mi­nhos na Idade Média. Para os ado­les­cen­tes de hoje, não há muita dife­rença entre uma carta e um per­ga­mi­nho de fei­ti­ços. Em duas gera­ções, já não sen­ti­rão dife­rença entre um livro físico e um gri­mó­rio. O livro, aliás, já está se tor­nando uma espé­cie de feti­che, o que denun­cia sua deca­dên­cia como mídia. As pes­soas chei­ram livros como se eles fos­sem entes que­ri­dos, que­rem tê-​​los em edi­ções de luxo como se fos­sem tesou­ros. Anti­ga­mente os livros eram vis­tos de uma forma estri­ta­mente uti­li­tá­ria: nin­guém valo­ri­zava mais uma obra por ter « capa dura » ou « papel pólen ». Mui­tos livros de qua­li­dade só foram ganhar edi­ções de luxo déca­das após sua publi­ca­ção ori­gi­nal. Mui­tos auto­res famo­sos foram publi­ca­dos ini­ci­al­mente em revis­tas impres­sas em papel rús­tico (« pulp ») e de capa mole. Essa mudança já é reflexo do papel mís­tico que está sendo atri­buído ao livro, e o futuro nos reserva uma revi­são radi­cal do papel e da forma da lei­tura na sociedade.

Uma revo­lu­ção com­pa­rá­vel à do mapa rodo­viá­rio (e dos mapas em geral, mas o caso do mapa rodo­viá­rio é tan­gí­vel). Antes da inven­ção do GPS as via­gens de férias pre­ci­sa­vam do infa­ti­gá­vel « Guia 4Rodas », com seu « Mapa Rodo­viá­rio do Bra­sil », que repre­sen­tava as prin­ci­pais estra­das do país atra­vés de linhas colo­ri­das e códi­gos engra­ça­dos. Em caso de dúvida, parar na beira da estrada, esten­der o mapa sobre o capô e ten­tar des­co­brir para onde ir. Quase sem­pre a cena inde­fec­tí­vel dos anti­gos fil­mes de via­gem: o marido que tei­mava em con­fiar no mapa em vez de per­gun­tar pelo cami­nho aos tran­seun­tes aca­bava indo parar em algum fim de mundo assom­brado. Ainda nos anos 1990 a revista « Pira­tas do Tietê » publi­cou uma tiri­nha sobre um entre­ga­dor de pizza que foi parar no inferno ten­tando seguir um mapa rodo­viá­rio até Guai­a­na­ses. Se suas his­tó­rias estão ambi­en­ta­das no pas­sado, seus per­so­na­gens pre­ci­sam pas­sar por essa dificuldade.

Mas hoje em dia nin­guém com­pra­ria o Guia 4Rodas, tal­vez nin­guém mais saiba ler um mapa rodo­viá­rio. Eu mesmo já me esqueci como era. Esta­mos acos­tu­ma­dos à ideia do Goo­gle Mapas (ou do iMaps, para você que pre­fere pro­du­tos da Apple) e dos GPS. O mapa não pode ser uma folha de papel dobrada, pre­cisa ser algo dinâ­mico, que se pode con­sul­tar enquanto dirige. A ideia de parar na beira da estrada para ler um mapa nos parece tão absurda quanto espe­rar sema­nas pela res­posta a uma carta de amor. Vive­mos a velo­ci­dade, em todos os aspec­tos, e pre­ci­sa­mos da ins­tan­ta­nei­dade, do macar­rão ao amor de nos­sas vidas, tudo tem que vir em três minu­tos, e ser con­su­mido igual­mente rápido.

*Artigo originalmente publicado no blog Letras Elétricas.

José Geraldo Gouvêa nasceu em Cataguases (MG) e reside atualmente em Pequeri, no mesmo estado. Ex-professor de História, atualmente é bancário. Já publicou o romance “Praia do Sossego” pela Editora Multifoco, em 2010, e participou como tradutor da obra “O Mundo Fantástico de H.P.Lovecraft”, da Editora Clock Tower, em 2013. Traduziu obras de W. H. Hodgson e Clark Ashton-Smith (traduções ainda não publicadas). Também são inéditas as obras “Amores Mortos” (romance de formação) e “O Pecado da Tristeza” (livro de contos, no prelo pela Com-Arte, Ed.USP). É autor do conto “A Noiva Liberdade”, a ser publicado em 2014 pela Caligo, na Antologia RedruM. Escreve no blog “Letras Elétricas”.

O mistério do escritor, ou Quem sou eu?

Por Fernando de Abreu Barreto

Então é isso? Chegamos a esse ponto? Os livros não serão lidos porque a foto do autor não é adequada? Porque ele gagueja quando fala em público? Porque não sabe olhar direto para a câmera? Porque fala da intimidade em sua página no Facebook? Sim. Não. É um mistério.

 

Queria escrever sobre escritores. Queria escrever sobre escritores e seus livros. E o processo de criação, os obstáculos, as ferramentas e os macetes. Queria escrever sobre as manias e os anseios de escritores, o que esperam de seus livros, de suas carreiras. O que eles gostam de ouvir sobre escritores e seus livros.
Leio o que foi escrito sobre escritores e seus livros. O que foi escrito sobre literatura na última semana nos principais veículos de comunicação, pelos melhores escritores. O que foi dito pelos profissionais expoentes.
Releio, também, o que escrevi sobre escritores, seus livros e literatura. Reafirmo a certeza que nunca me abandonou: podemos separar escritores entre os comerciais e os mais literários.
Chuck Palahniuk aconselha escritores novatos a não usar verbos de pensamento a fim de melhorar a qualidade literária do texto. Que se dane o Chuck, esse aqui não é um texto literário. Portanto, posso dizer que acredito (penso, acho…) que existam autores mais comerciais e outros cujo texto tem maior valor literário. E acredito, logo em seguida, que alguns textos mais literários podem ser comerciais e algumas obras comerciais podem conter textos com valor literário.
Dito isso, descubro que esse texto tomou um rumo diferente do que eu esperava. Queria escrever sobre autores comerciais, como são apresentados em eventos literários, como se promovem através de diferentes plataformas, como alcançam tanto ou mais valor que seus livros – discussão que encheu as páginas do Caderno Prosa de O Globo do dia 09/08/2014 com excelentes reflexões. Mas descobri, pelo que produzi até aqui (o pouco que produzi), que não sei se eu mesmo sou comercial ou literário.
Aproveitando o mote do último texto do Fabio Shiva, a questão se tornou um grande suspense pra mim. Sempre busco acrescentar valor literário aos meus textos de ficção e acredito (Chuck que se dane, de novo) que sei como fazê-lo. Acredito que tenho sucesso. Mas recentemente o que ouvi a respeito de A Forma da Sombra, que lançarei no próximo dia 30, são elogios ao seu viés comercial.
Queria escrever sobre escritores e a exposição na mídia, nas feiras literárias, na Internet. O primeiro conselho que recebi da agente literária foi alterar minha foto no Facebook, a antiga não condizia com a imagem de escritor que eu projetava e na qual ela passou a acreditar após nossa primeira conversa. Um conselho honesto e corajoso (como deve ser), se você conhecer o tamanho da minha vaidade. Acredito que a atual ainda não esteja adequada. Um dia aprendo a escolher, ou contrato um consultor.
Então é isso? Chegamos a esse ponto? Os livros não serão lidos porque a foto do autor não é adequada? Porque ele gagueja quando fala em público? Porque não sabe olhar direto para a câmera? Porque fala da intimidade em sua página no Facebook? Sim. Não. É um mistério. Ninguém sabe ao certo o que torna um autor vendável, mas suspeita-se do que pode torná-lo comercialmente inviável.
Queria aproveitar o mote do excelente texto do Fabio Shiva e dizer que a promessa do suspense e o embuste da ameaça não estão restritos à ficção literária ou audiovisual. Eles se estendem por tudo o mais. Queria escrever sobre escritores e a exposição na mídia e na internet. Como essa exposição pode ajudar a vender livros e como pode atrapalhar a vender o escritor (se for mal elaborada e executada). A opção que o autor deve fazer entre o mistério que provoca curiosidade e a massificação que impele o consumidor (essa pergunta me veio à cabeça: o escritor que se refugia na montanha foi aposentado pelo mestre da autopromoção?).
Lembrei que não sei onde estou na classificação que eu mesmo ajudo a promover entre obras literárias e comerciais. Não sei que escritor eu sou. Termino personagem de mim mesmo, aguardando convites para feiras literárias e programas de rádio/televisão em que pretendo falar sobre livros e escritores e literatura. O escritor que não consegue adequar a foto da rede social à imagem real. Uma personagem misteriosa. Suspense ou ameaça?

Fernando de Abreu Barreto nasceu em 1976, no Rio de Janeiro, onde mora até hoje. É advogado e seu primeiro trabalho literário publicado está na antologia de contos de terror “Livro do Medo” (Ed. Orago). Mantém o blog O Nariz do Fernando, no qual escreve artigos sobre literatura, música e cotidiano. É colunista da Revista Pacheco. Sua novela de estreia será publicada em 2014 pela Caligo Editora.

Plágio e Inspiração – a tênue fronteira

Por Gustavo Araujo

Há algo estranho na inspiração provocada pelos nossos livros favoritos. Ao mesmo tempo em que nos desperta, que nos conduz adiante, que nos força a escrever, também nos transforma em escravos, em discípulos de seus estilos e de suas ideias, em sanguessugas da criatividade alheia.

 

Em 2008, durante uma viagem de férias, encontrei uma edição maltratada de “Não Tenho Medo”, do italiano Niccolò Ammaniti, colocada a esmo na estante ensebada de um albergue da juventude. Ao abrir suas páginas ásperas e amareladas, linhas de uma narrativa ágil e irresistível brotaram como galhos, me agarrando pelo pescoço. Foi impossível largar o livro.

O ritmo rápido porém detalhista, pontuado por divagações filosóficas – às vezes sarcásticas – e sem abrir mão do suspense fizeram com que eu esquecesse onde estava. Foi a leitura mais rápida da minha vida. No fim, mais do que a trama bem montada, terminei conquistado pela habilidade do autor em abordar aspectos da infância e da adolescência de modo extremamente sensível, falando de suas dificuldades e desafios, de suas surpresas e decepções.

Foi nesse momento que pensei: “poxa, eu poderia (ou eu queria) escrever sobre isso também”.

Essa sensação se reforçou quando parti para outros livros dele, como “I’ll Steal you Away” (sem tradução para português) e “Como Deus Manda”, publicado por aqui pela Bertrand Brasil.

Pois bem, todo mundo que escreve tem um livro favorito, um autor favorito, que em determinado momento fez surgir essa centelha, essa vontade de colocar no papel tudo aquilo que se sente.

Sempre há um responsável por desencadear essa premência em escrever. Às vezes, isso decorre de uma só fonte. Às vezes, são diversos os mananciais. O fato é que em qualquer das hipóteses, deveremos nosso despertar criativo a alguém.

O que ocorre a partir daí é algo curioso. A mim, pelo menos, a maneira de escrever minhas próprias tramas derivava do modo como Ammaniti costurava suas histórias. Estou usando de eufemismo. Na verdade, eu – talvez de forma inconsciente – praticamente o imitava na hora de escrever.

Então conheci Carlos Ruiz Zafón. “A Sombra do Vento” e, principalmente, “O Jogo do Anjo” alcançaram os primeiros lugares no ranking que mantenho mentalmente sobre obras inspiradoras. O resultado foi que minha escrita começou a se parecer – ou a imitar – o jeito de Zafón. Claro, eu não seria capaz de tanto. Jamais teria a habilidade do autor espanhol para metáforas e especialmente para descrições que parecem transformar determinada cena em 3D.

Logo surgiu John Boyne e seus meninos – o do Pijama Listrado e o No Convés. De novo percebi minha escrita adernar para um quase-plágio.

Há algo estranho na inspiração provocada pelos nossos livros favoritos. Ao mesmo tempo em que nos desperta, que nos conduz adiante, que nos força a escrever, também nos transforma em escravos, em discípulos de seus estilos e de suas ideias, em sanguessugas da criatividade alheia.

Talvez por isso atualmente haja tantas pessoas escrevendo sobre vampiros, castelos, magos e batalhas medievais. É gente influenciada pela vertente literária que mais vende, gente que teve despertada a vontade de escrever por ter lido “O Senhor dos Anéis” e saga Crepúsculo. Enfim, uma galera enorme que sentiu vontade de usar o universo de Tolkien e de Stephenie Meyer para criar e contar suas próprias histórias.

Plágio ou inspiração? Ou, posto de outra maneira, é possível ser 100% original hoje em dia? Ou, uma pergunta ainda mais espinhosa, é possível começar a escrever sem a influência de nossos autores e livros favoritos? É possível, enfim, fugir deles?

Penso que não. Talvez a saída para o novo autor seja misturar. Para tanto, é preciso abrir o leque, travar contato com outros escritores, com outros tipos de literatura que não apenas aquela com a qual ele mais se identifica. Em suma, é necessário sair da zona de conforto.

Não há só Ammaniti, Zafón e John Boyne nesse mundo, eu deveria dizer a mim mesmo. Se eu quiser desenvolver um estilo próprio, ainda que influenciado por eles, é indispensável abandonar meus preconceitos e ler aquilo que os outros indicam, não importando o apelo em termos academicistas ou comerciais.

James Joyce, Nicholas Sparks, aqui vou eu!

Gustavo Araujo mora em Brasília-DF, com a esposa e as duas filhas. Administra o site Entre Contos. Participa com dois contos na Antologia “!”  e também é autor do livro “O Artilheiro”, publicado em 2013. Seu livro “Pretérito Imperfeito” será publicado pela Caligo em 2015.

O inferno dos conselhos sobre como escrever e outras rabugices

Por Rubem Cabral

Tanta repetição! Que falta de respeito com a pontuação! Como se escreve assim, com tanta vírgula, sem quebrar parágrafos? Que interessante!

 

Não. Não abuse de frases curtas. Não escreva – de forma alguma, jamais, fuja como o diabo da cruz – sentenças muito longas. Não repita palavras e mais palavras muito próximas, mas escreva de forma “natural”, pô. Escreva simples: use vocábulos comuns, que o leitor médio não precise de dicionário, mas construa metáforas ricas e inéditas, que colem à memória como visgo de jaca em pé de passarinho. Nada de estrangeirismos! Keep it simple, cabrón! Ora, óbvio que textos curtos são o ideal para a geração Twitter, que lê no iPad ou no smartphone. Escreva uma trilogia de fantasia medieval: é o que vende que nem pão quente. Nada de neologismos! Deslembre-os! Ficção-científica é um tiro de laser no pé. Autoajuda dá dinheiro. Ambiente a história somente no Brasil, porém Londres na era Vitoriana tinha um charme todo especial… Escreva estritamente sobre o que você viveu. Use a imaginação e pesquise! Palavrões são chulos. Porra, calão dá mais autenticidade.

 Escrever não é fácil, nunca foi. Todos os que já tentaram sabem muito bem disso. Um enredo criativo, com narração inspirada, diálogos críveis, personagens que gerem empatia, plot twists, clímax, descrições ricas, que resultem na imersão de quem lê. Contudo, mesmo que tais objetivos sejam todos miraculosamente alcançados, ainda assim, o leitor “A” não gostará da personagem “X” ter usado a palavra “gorda”, pois denota preconceito (não só da personagem, provavelmente também do autor, um lipofóbico de marca maior – não use neologismos!). O leitor “B” desistirá do livro no terceiro parágrafo ao ler “efêmero” e não ter a mais pálida ideia do significado (afinal, você abusou mesmo com o “lapso” e o “maniqueísta” nos 1° e 2° parágrafos, o que se poderia esperar?). “C” dirá que houve pistas demais sobre quem era o misterioso assassino, “D”, que tudo ficou escondido e demasiadamente críptico. Houve violência além da conta, faltou um sanguinho…

 Quase todos os dias, quando passo os olhos em tópicos de grupos de escritores, leio tais conselhos conflitantes. Quando escrevo algo e exponho, recebo muitas vezes feedbacks que são como água e óleo. E que lição tiramos de tais ideias, do retorno dos nossos leitores? Ou dos conselhos de nossos colegas de infortúnio?

 A resposta talvez esteja nos livros de alguns autores consagrados. Abro um de meus preferidos e leio: “– NONADA. TIROS QUE O SENHOR ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu –; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. Povo prascóvio. Mataram.”

 O que raios é “nonada” ou “prascóvio”? Vou ao dicionário e aprendo algo novo. Minha nossa! Quanta beleza bruta num parágrafo só!

 “[…] O médico perguntou-lhe, Nunca lhe tinha acontecido antes, quero dizer, o mesmo de agora, ou parecido, Nunca, senhor doutor, eu nem sequer uso óculos, E diz-me que foi de repente, Sim, senhor doutor, Como uma luz que se apaga, Mais como uma luz que se acende, Nestes últimos dias tinha sentido alguma diferença na vista, Não, senhor doutor, Há, ou houve, algum caso de cegueira na sua família, Nos parentes que conheci ou de quem ouvi falar, nenhum, Sofre de diabetes, Não, senhor doutor, De sífilis, Não, senhor doutor, De hipertensão arterial ou intracraniana,[…]”

 Tanta repetição! Que falta de respeito com a pontuação! Como se escreve assim, com tanta vírgula, sem quebrar parágrafos? Que interessante!

 Em “2666” do Roberto Bolaño – que usa pontuação convencional – há frases que se esticam por páginas e páginas. O autor também costuma nomear suas personagens com nome e sobrenome e repeti-los (os nomes completos) sem preocupação, sem usar sinônimos, sujeito oculto e outros artifícios. Que falta de respeito pelo leitor, não?

 E dá-lhe o Machadão conversando com suas queridas leitoras. E a inclassificável Clarice Lispector dividindo a literatura brasileira em A.C. e D.C. (e o “C” não é de Cristo).

 A verdade, a verdade (veja, estou repetindo!) é que não há receitas. Que é impossível ir de encontro a todos os gostos, não ofender por causa de “X” ou “Y”. Escrever é correr riscos, acho que foi o colega Fernando de Abreu que já escreveu isso.

 Um bom livro sempre encontrará bons leitores – seja nessa geração ou na próxima – pois você não esperava ficar rico com literatura, não? Simplifique, vai, isso, nivela por baixo baseado no que você espera como público, e você terá uma obra menor, sombra da que você não teve bagos para parir. Pasteurize, seu corno, seja politicamente correto, e você terá menos processos com os quais se preocupar. Terá também com o que se arrepender, por saber que preferiu se chafurdar na mediocridade, que não ousou, que teve a oportunidade mas não subiu às montanhas e nunca tocou o rosto de deus.

 Moça ou cara: o seu objetivo é não morrer, é deixar sua marca neste mundo. Este deve ser o seu norte. A sua obra é seu ticket para a imortalidade.

 Não quero dizer, em absoluto, que não existam conselhos valiosos, que bons leitores não possam fornecer um retorno inestimável, que gente mais experiente e culta não deva ser consultada. Apenas quero destacar que você, escritor, você deve estar no comando, o timão firme em suas mãos durante a borrasca. Se tiver certeza, siga o caminho, o seu coração, intuição ou o que o valha. Se tiver dúvidas, consulte aqueles cujas opiniões você considera e respeita, depois decida.

 Não. Tente. Agradar. A. Todos. Não se deixe podar. Taí, talvez, alguns conselhos que você possa aprovar sem restrições…

Rubem Cabral é engenheiro de software, nascido na cidade do Rio de Janeiro e radicado em Zurique, Suíça. Apaixonado por literatura fantástica, já foi publicado em algumas antologias, tais como a bem conhecida “FC do B”, uma coletânea de ficção científica anual da Tarja Editorial. O autor foi selecionado em primeiro lugar na categoria conto no concurso Raízes, em Genebra no ano de 2010. É o organizador da Antologia “!” de Contos Fantásticos e em setembro deste ano lança seu livro de contos, “A Linha Tênue”, em uma nova edição pela Caligo. Para conhecer mais sobre seu trabalho, visite o blog do autor: Contos Agridoces. Contato: rudam@msn.com

Literatura infantil: os primeiros passos

Por Thais Lemes Pereira

 

Com a expansão dos meios de comunicação, ficamos cada dia mais surpresos com os livros que as crianças andam lendo. Alguns sequer possuem características que antes considerávamos básicas para atrair novos leitores.

 

O primeiro livro que li, emprestado da escola em que estudava, foi “Uma Professora Muito Maluquinha”, do Ziraldo. Desde então sou apaixonada pela Literatura Infantil e Infantojuvenil, mesmo que não me arrisque por esse mundo. É preciso muito mais do que saber escrever e ter sido uma criança. Uma responsabilidade muito grande, pois a partir desse passo é que os próximos serão dados e uma impressão passada durante a infância pode ser carregada para o resto da vida.

Qualquer adulto que não cultivou o hábito de ler pode adquiri-lo, mas o gosto pela leitura é melhor aproveitando quando ainda somos crianças. A fase das novidades é também o momento de despertar o interesse por assuntos que carregaremos ao longo dos anos. Por isso esses livros têm um papel fundamental na sociedade.

O mais engraçado é que batemos sempre na mesma tecla dizendo que a leitura deve ser incentivada desde a infância, mas raríssimas são as vezes que tomamos conhecimento que algum livro do gênero foi publicado. Isso porque automaticamente associamos a publicação aos autores consagrados como Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Cecília Meireles, Ana Maria Machado e tantos outros.

Ressaltando todas as mudanças que ocorreram nos últimos tempos, principalmente no que diz respeito à comunicação, percebemos que a Literatura Infantil sofreu uma transformação muito grande. Antigamente, para o público infantil e jovem, a forma mais fácil de ter acesso aos livros era pegando-os emprestado das bibliotecas escolares ou municipais – abrindo pequenas exceções. A leitura ficava delimitada pela faixa etária e era mais comum encontrar autores nacionais nas estantes.

Recentemente, visitei uma escola pública de Ensino Fundamental e notei nas mãos das crianças livros para todos os gostos: finos, grossos, nacionais, estrangeiros, com gravuras ou sem. Alguns, inclusive, que possuo na estante. Com a expansão dos meios de comunicação, ficamos cada dia mais surpresos com os livros que as crianças andam lendo. Alguns sequer possuem características que antes considerávamos básicas para atrair novos leitores.

Torna-se admirável quando autores conseguem cativar esse público tão questionador e cheio de novas ideias. É passando antes por eles que outros autores, no futuro, terão o trabalho lido e contemplado.

Hoje as crianças possuem a personalidade mais definida do que há alguns anos atrás. São capazes de criticar com argumentos sólidos o que acabaram de ler. A mesma crítica que em um artigo anterior − Sobre “Galáxias” e a influência das leituras que não nos cativam – afirmei ser necessária para desenvolver habilidades de escrita, além de despertar a criatividade.

Por isso, é fundamental que professores e pais estejam dispostos a conduzir os primeiros passos. E quem sabe, depois de aprender a andar sozinho, seja hora de sentar e escrever.

-***-

thata-pereira

Thais Lemes Pereira nasceu em Guarulhos- SP, mas mora atualmente em Cambuquira- MG. Estudante de Jornalismo, desistiu do sonho de cursar Arquitetura para dedicar-se ao que realmente gostava: escrever. É autora do livro de poesias Pensamentos de Outrora (Editora Multifoco), lançado em outubro de 2013.
Contato: thaislemespereira@yahoo.com.br.

Suspense ou ameaça?

Por Fabio Shiva

Um livro perde o meu respeito quando descubro que posso ler saltando páginas, sem perder o fio da meada.

Eu devia ter uns treze para catorze anos quando li esse trecho, que ficou gravado na memória. Uma cena marcante de um livro famoso, que foi transformado em filme de muito sucesso:

O garotinho está se borrando de medo quando finalmente se decide a abrir a porta daquele quarto de hotel. Ele foi avisado de que não deveria ir ali, mas a curiosidade foi mais forte. Pé ante pé, o menino vai avançando. Dentro do banheiro, uma terrível descoberta, que justifica todos os seus temores. Então a coisa que jaz na banheira desperta e estende os dedos mortos para enlaçar o pescoço da criança.

 

É quando o autor interrompe a narrativa de súbito e passa para uma outra trama paralela, mais amena. Lembro que fiquei agoniado, revoltado, eufórico e totalmente fisgado pela leitura. Mas de jeito nenhum eu iria sossegar até descobrir o que aconteceria com o garotinho!

Essa lembrança marcou por ter sido a primeira vez em que percebi conscientemente estar diante de um “truque” literário, de um artifício utilizado pelo autor para envolver o leitor na história. E que bom para mim que esse truque foi justamente o do suspense! Foi paixão à primeira leitura! Fiquei totalmente viciado nessa agoniazinha que vai se acumulando até encontrar o alívio da catarse!

Anos depois, tive outro aprendizado igualmente marcante, ao ler um trecho de outro escritor também famoso, igualmente adaptado para o cinema. Só que dessa vez o aprendizado foi pelo caminho inverso, de como não fazer:

O herói está sozinho em uma cabana no meio da floresta, quando ouve um barulho lá fora. Vai abrir a porta. Sua mão toca a maçaneta. Ele começa a imaginar todo tipo de coisas terríveis que podem estar à espera do outro lado.

 

A essa altura eu já estava meio invocado com o texto, e fui tirar a prova, verificando quantas páginas faltavam para o fim do capítulo. Nada menos que dez páginas. Lembro de ter pensado: “não creio que esse cara vai levar dez páginas para abrir a porta!” Dito e feito. Dez longas, tediosas, previsíveis e totalmente dispensáveis dez páginas que continham nada além de ameaças vazias!

Fiquei muito grato pela lição, mas a partir desse momento o autor deixou de ter a minha simpatia. Um livro perde o meu respeito quando descubro que posso ler saltando páginas, sem perder o fio da meada. Infelizmente há muitos autores, e até bem conceituados, que cometem esse erro primário.

Mas o ganho maior que ficou foi mesmo o aprendizado dessa importante diferença entre o suspense e a ameaça. O suspense segue um conjunto de técnicas apuradas e, em minha opinião, é o nobre herdeiro direto da tragédia grega. Já a ameaça é um recurso apelativo, que subestima a inteligência do leitor. Uma pobre e desprezível técnica, na melhor das hipóteses. Eu, pessoalmente, consigo imaginar bem poucas situações em que o recurso da ameaça mereça ser utilizado. Na verdade não concebo nenhuma situação eu justifique essa prática, pois outras técnicas sempre parecerão preferíveis ao feio truque da ameaça. Afinal, todo mundo sabe muito bem que cão que ladra, não morde!

Resumindo então, queridas e queridos:

Suspense, bom! Ameaça, ruim!
Tudo de bom,

Fabio Shiva

Ouça aqui a trilha sonora de O Sincronicídio.

Fabio Shiva é músico, professor e escritor. Publicou em 2013 o romance policial “O Sincronicídio: sexo, morte e revelações transcendentais” pela Caligo Editora. É um dos autores convidados da Antologia RedRuM: Contos de Crime e Morte, a ser publicada em 2014 também pela Caligo.